qui, 16 de janeiro de 2025

Tratorista se escondeu dentro de compartimento de caminhão-pipa para se salvar de queimada: ‘Só via as chamas pela abertura’

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Fábio Junior Machado ajudava a combater as labaredas quando a tempestade de areia atingiu a propriedade rural em Santo Antônio do Aracanguá (SP), fazendo com que as chamas se alastrassem de forma descontrolada; três pessoas morreram.

O tratorista Fábio Junior Monteiro Machado, de 30 anos, viveu momentos de pânico durante a queimada que atingiu uma fazenda e provocou a morte de três homens na tarde da última sexta-feira (1º), em Santo Antônio do Aracanguá, cidade do interior de São Paulo.

Surpreendido pela tempestade de areia, que fez com que as chamas se alastrassem desenfreadamente, Fábio e o companheiro de serviço entraram dentro do compartimento de água de um caminhão-pipa para sobreviver. “Não tinha o que fazer, não tinha como fazer absolutamente nada. A única solução que a gente pensou foi essa. Ficamos escondidos para não morrer. A gente só via as chamas pela abertura do tanque. Foi Deus. Não tem outra explicação”, diz.

Fábio e o companheiro de serviço foram acionados para ajudar a combater o incêndio. Eles trafegavam em um caminhão-pipa por uma estrada quando a tempestade de areia atingiu Santo Antônio do Aracanguá.

“Não chegamos a combater o fogo. A gente ficou pensando em uma forma de ajudar. Subi no caminhão-pipa, mas meu companheiro disse para irmos embora, porque a coisa ficaria feia. A gente entrou no caminhão e tentou chegar em uma ponte. Andamos 50 metros e veio a tempestade. Não conseguíamos ver nada. Não sabíamos para onde estávamos indo”, explica.

Enquanto tentavam fugir da tempestade de areia e da fuligem, os dois quase bateram em um caminhão e em um carro. Em seguida, saíram da estrada e caíram com o veículo dentro de um brejo.

“Desci do caminhão rápido. Meu parceiro pediu para ficarmos juntos e teve a ideia de jogarmos água em volta do caminhão. Comecei a jogar água, mas o fogo avançou rápido. Deixamos a água do canhão ligada e pulamos dentro do tanque. Usamos uma abertura que tem em cima para entrar. Ela existe para conseguirmos entrar no tanque quando alguma coisa quebrar”, conta.

O tratorista e o companheiro de serviço ficaram dentro do compartimento de água do caminhão-pipa, aguardando as chamas diminuírem e a tempestade de areia passar.

“A água começou a acabar, porque deixamos a bomba ligada. Foi tudo muito rápido, mas, ao mesmo tempo, demorou uma eternidade para acabar. O fogo, a fuligem e a poeira avançaram muito rápido”, afirma. Assim que saíram de dentro do tanque, os dois não conseguiram acreditar na cena que presenciaram.

“Vimos os animais agonizando. Tudo estava queimado. A única parte que não queimou foi em volta do caminhão-pipa. Se não tivéssemos jogado água, o caminhão teria pegado fogo e não estaríamos vivos, porque não tinha água no brejo. Nascemos de novo. A gente inalou bastante fumaça, mas a única coisa que fiz foi um ralado na perna”, diz Fábio.

Mortes e feridos

Dois funcionários de uma usina e um agricultor estão entre os homens que morreram. Outras quatro pessoas ficaram feridas e precisaram ser levadas para hospitais da região. Não há informações sobre o estado de saúde delas.

De acordo com o tenente do Corpo de Bombeiros de Araçatuba (SP), Dailton Vieira de Oliveira, os dois funcionários da usina foram surpreendidos pelos focos de incêndio. “Eles desceram do caminhão, tentando se abrigar, mas foram atingidos pelas chamas”, explicou Dailton.

Ainda segundo o tenente do Corpo de Bombeiros, o agricultor ajudava a controlar o incêndio de dentro de um trator.

“Ele estava acompanhado do filho e foi atingido pela nuvem de poeira, forte vento e chamas”, contou Dailton.

Genival Miguel de Melo, de 63 anos, também não resistiu aos ferimentos. Os corpos das três vítimas foram levados ao Instituto Médico Legal (IML) e liberados para o velório e o enterro.

Investigação

A Polícia Civil instaurou inquérito para investigar as causas da queimada que provocou a morte dos três homens.

Ao g1, o delegado Abelardo Alves Gomes disse que o caso foi registrado como incêndio doloso com resultado morte e crime ambiental.

“Estamos investigando a hipótese de o incêndio ter sido intencional. Porém, ainda não sabemos onde e como o incêndio começou”, explicou.

Ao longo dos próximos dias, testemunhas serão ouvidas e outros exames periciais realizados. Os resultados ajudarão a Polícia Civil a concluir o caso.

Tempestade de areia

A meteorologista Dóris Palma explica que a tempestade de areia que atingiu o noroeste paulista costuma acontecer nesta época do ano.

“Tempestades de areia se formam, normalmente, durante o período de transição da estação mais seca, que foi o inverno, para a estação mais úmida, que tende a ser entre o período de primavera e verão”, disse.

Dóris explica que as nuvens de areia se formam quando cidades ficam vários dias consecutivos sem registrar chuva significativa.

“As frentes de rajadas que se formam antes dessa tempestade chegar provocam fortes ventanias, o que, literalmente, levanta toda a poeira, mantendo esse aspecto bem escurecido. Quando as nuvens carregadas se formam e se juntam com toda a poeira, temos um céu bem escuro, um aspecto bem assustador”, complementou.

G1