Sem ciclovias e plano de mobilidade urbana, Jales tem mais veículos do que habitantes; em doze anos, frota de veículos cresceu 14 vezes mais que a população
Mesmo trabalhando a menos de 100 metros do esposo, Renata Alves Pereira, 36 anos, diariamente vai até o emprego no centro de Jales em um carro distinto do marido. “Financeiramente pesa um pouco, mas ainda acredito ser mais confortável cada um vir com seu carro”.
Histórias como a dela são comuns em Jales, tanto que o município já tem mais veículos do que habitantes. “De fato, a gente nota um aumento do número de veículos nas ruas, mas a facilidade que o veículo proporciona acaba por estimular todo mundo querer ter uma moto ou carro”, diz a comerciante.
Dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) mostram que, em doze anos, a frota de veículos de Jales cresceu 57,6%: de 31.579, em 2010, para 49.770, em 2022. Enquanto o número de habitantes aumentou apenas 3,75%: de 47.012 para 48.776, em 2022, segundo o Censo.
No Brasil, em doze anos, a frota de veículos passou de 64.817.974, em 2010, para 115.116.532, em 2022. Um aumento de 77,5%.
Em Jales, não é difícil achar famílias com mais de um carro na garagem. “Apesar da cidade ser pequena, aqui é quente. O carro me dá o conforto de chegar no trabalho em menos de quinze minutos. A pé eu levaria meia hora”, diz a empresária Alessandra Vilas Boas Nogueira, 43 anos, que confessa andar a pé somente quando não consegue usar o carro.
A baixa qualidade no transporte coletivo, a falta de incentivo a outros modais de transporte, como ciclovias, e a própria cultura de motorização enraizada na cidade são apontados por especialistas ouvidos pelo Diário como motivações para que o município tenha alcançado o posto de ter mais veículos do que habitantes. E esse é o tema da terceira reportagem da série “Mudar para não travar de vez”.
“Temos no Brasil uma questão muito forte de cada um ter o próprio carro ou moto. Infelizmente, quando discutimos, por exemplo, restringir vaga de automóveis no interior de São Paulo para estimular o uso do andar a pé ou transporte coletivo, os temas sofrem muita resistência”, diz Ricardo Corrêa, professor do Instituto Federal de Votuporanga.
Em 2021, junto com o engenheiro Lucas Boiate, o professor do IF de Votuporanga fez um estudo sobre o transporte coletivo de Jales. Os resultados mostraram que o perfil preponderante dos passageiros da cidade são mulheres, com mais de 50 anos e baixa escolaridade. “São pessoas que usavam porque não tinham um carro, pois se tivessem provavelmente não usariam”, apontou Corrêa.
Baixa qualidade que fez Jales rescindir, há um mês, o contrato com a antiga empresa que prestava o serviço no município e implantar através de uma licitação emergencial tarifa zero no transporte coletivo local.
“Estávamos tendo muita reclamação de má qualidade do serviço prestado pela empresa. Inclusive, com relatos que às vezes a empresa não terminava a linha e o passageiro tinha que terminar a linha a pé, mesmo tendo o dever de fazer todos os pontos de ônibus. Foi quando resolvemos rescindir o contrato e contratar outra com tarifa zero por alguns meses”, explicou Wagner Roberto Coneglian, secretário de Mobilidade Urbana e Segurança Pública de Jales.
O resultado foi um salto no número de passageiros no transporte coletivo de Jales, de 200 diariamente (com tarifa a R$ 2,90) para mil usuários atualmente (com tarifa zero).
“Com esses resultados, com certeza queremos continuar a tarifa zero no município. Até como uma forma de desestimular o uso do carro. Inclusive, estamos fazendo alguns estudos para manter a tarifa zero, pois o contrato em vigor deve durar menos de 12 meses, mas também precisamos aprovar uma lei na Câmara Municipal para isso acontecer”, diz Coneglian.
Aumento de acidentes
Ao mesmo tempo que aumentou o número de veículos, Jales também teve crescimento de acidentes de trânsito. Segundo Beatriz Renesto Faile, chefe da divisão de engenharia e sinalização de Jales, em média 400 sinistros de trânsito por semestre eram registrados. Agora, a quantidade oscila entre 600 e 700.
“Temos procurando intensificar campanhas educativas para coibir esses acidentes. Mas tem uma questão muito forte na cidade que é o aumento da frota de motos. Atualmente, notamos que a maior parte das pessoas que tem se acidentados são motociclistas, principalmente, de serviços de delivery”, comentou.
Desincentivar o uso do veículo próprio por modais alternativos é um dos grandes desafios enfrentados pelos municípios brasileiros no processo de descarbonização do setor de transporte. Isso porque, além de gerar mais acidentes de trânsito, uma frota maior intensifica os índices de poluição, o que consequentemente tende a aumentar a incidência de doenças respiratórias.
“Além de termos uma grande frota de veículos, um outro desafio é que localização de Jales, próxima no Triângulo Mineiro e da divisa com o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, faz a cidade ser referência, principalmente, em saúde e estabelecimentos comerciais nessa microrregião. Isso faz o número de veículos ser ainda maior”, apontou o Wagner Coneglian, secretário de mobilidade urbana e segurança pública de Jales.
Segundo ele, o município já está elaborando seu plano de mobilidade urbana e deve implantar nos próximos meses os primeiros trechos de ciclovias. “Já temos projetos sendo licitados para incentivar o uso de outros modais de transporte”, completou Beatriz Renesto Faile, chefe da divisão de engenharia e sinalização de Jales.
Para a professora e doutora em transportes da Universidade de Brasília (UnB), Adriana Modesto, Jales precisa repensar seu modelo de mobilidade urbana.
“Analisando a situação de Jales, entendo que o panorama é justificado pela combinação de alguns elementos como: reduzida malha cicloviária, deficiências no sistema de transporte público coletivo sobre pneus e priorização das demandas do transporte individual motorizado. Isso precisa ser revisto no município”.
Fonte: https://www.diariodaregiao.com.br/cidades/transito/sem-ciclovias-jales-tem-mais-veiculos-do-que-habitantes-1.1254402
Rone Carvalho