qua, 15 de janeiro de 2025

Por dia, região de Rio Preto registra dois atropelamentos de animais

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Situação perigosa para os bichos e para os motoristas. Construção de corredores ecológicos vira saída para travessia segura

Pequenos ou grandes, eles são alvos frequentes de atropelamentos nas estradas brasileiras. Situação que pode até antecipar o risco de extinção de espécies. Como forma de evitar acidentes de trânsito e preservar a fauna, concessionárias responsáveis por rodovias e ferrovias do Brasil estão avançando na instalação de pontes e túneis verdes.

Na região de Rio Preto, três vias já possuem corredores ecológicos para travessia segura dos bichos. É o caso da BR-153, que contabiliza 11 túneis para animais que são administrados pela Triunfo Transbrasiliana. Na rodovia Euclides da Cunha (SP-320), são 13 passagens de fauna administradas pelo Departamento de Estradas e Rodagem (DER). No Anel Viário de Rio Preto, há uma ponte para macacos.

A importância de medidas de mitigação contra atropelamentos, que é a principal causa de morte crônica de animais silvestres no Brasil, é o tema da quinta reportagem da série especial Caminho Verde.

Em média, entre 2015 e 2021, dois acidentes de trânsito envolvendo animais aconteceram, por dia, nas rodovias da região. Os dados foram levantados pelo Diário, com base nos registros de acidentes do tipo nas rodovias Washington Luís (SP-310), na BR-153 e na Euclides da Cunha.

Contudo, o número de mortes de animais na região é ainda maior, já que na maioria das vezes os atropelamentos não são contabilizados. Um estudo da Universidade Federal de Lavras (UFLA) estima que, no Brasil, cerca de 475 milhões de animais silvestres morram, anualmente, atropelados. É como se a cada segundo 15 bichos perdessem a vida nas estradas do país.

“Embora quando falamos de atropelamentos lembramos de animais de grande porte, como lobo-guará, anta, capivara, onças e felinos em geral, a maior parte dos atropelamentos são de animais de pequeno porte, que muitas vezes o motorista acaba nem vendo, como sapos, cobras, pequenas aves e morcegos”, afirmou o professor Alex Bager, da UFLA.

Veterinário e coordenador do Zoológico de Rio Preto, Guilherme Guerra Neto conta que, em média, metade dos animais atropelados que chegam ao zoológico morre. “Os que não morrem no local chegam muito feridos e acabam não resistindo. Sem contar os que ficam órfãos”. Na região, os principais animais vítimas de atropelamentos são tamanduá-bandeira, cachorro-do-mato, raposinha-do-campo, lobo-guará, anta, capivara, tucanos, tatus e corujas.

 Lixo também é problema

Outro problema que influencia é o descarte irregular de lixo nas margens das rodovias. Além de ser infração de trânsito, podendo resultar em multa de R$ 130,16 e perda de quatro pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o motorista também acaba por contribuir para os atropelamentos de animais de silvestres.

Isso porque muitos animais, como urubus e outros pássaros, são atraídos para consumir o lixo descartado. “O simples descarte de uma bituca de cigarro também pode causar um incêndio e desmatar a vegetação nativa às margens das rodovias. São pequenas atitudes que fazem total diferença”, disse Guilherme.

Monitoramento das medidas

Levantamento feito pela Artesp mostra que a malha rodoviária do Estado de São Paulo contabiliza aproximadamente 345 passagens de fauna. “A maioria são passagens subterrâneas, mas também temos pontes suspensas para macacos e o famoso viaduto construído na rodovia dos Tamoios”, diz Pedro Umberto Romanini, superintendente da diretoria de investimentos da Artesp, que responde pela área ambiental.

Segundo ele, estudos já mostram que a implantação de passagens de fauna chega a reduzir em até 80% o número de atropelamentos e acidentes envolvendo animais. “Atualmente, além da construção das passagens de fauna, as concessionárias são obrigadas a monitorar por câmera a efetividade delas. O papel da Artesp é exigir dos operadores das rodovias que elas adotem todas as medidas necessárias para se evitar tanto o atropelamento do animal quanto o acidente de trânsito”. (RC)

Medidas de mitigação

A falta de um mapeamento nacional dos pontos com maior incidência de acidentes de trânsito envolvendo animais é apontada por pesquisadores como um dos entraves para a redução do número de acidentes de trânsito envolvendo bichos nas estradas brasileiras.

“Os atropelamentos não são seletivos, todo animal que tenta atravessar uma via tem chance de morrer. Por isso a importância das medidas de mitigação, como as passagens de fauna”, disse Larissa Oliveira Gonçalves, pesquisadora do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (Nerf) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

No Brasil, a incorporação de passagens de fauna em rodovias e ferrovias ainda caminha lentamente. As poucas rodovias que possuem as medidas de mitigação adotam os corredores ecológicos por conta de novas exigências nos contratos de concessão. “Hoje em dia, temos inúmeras possibilidades de passagens de fauna. Das subterrâneas até viadutos projetados, mas o importante é que as empresas avaliem se essas estruturas realmente funcionam para reduzir o número de atropelamentos”, falou Larissa.

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) é quem orienta e fiscaliza a efetividade das passagens de fauna nos 24 mil quilômetros de malha rodoviária do Estado. “Hoje em dia, para toda obra de duplicação, implantação de rodovia nova ou até obras menores como implantação de dispositivos rodoviários, é necessário o licenciamento ambiental”, explicou Camilo Fragoso Giorgi, gerente do setor de avaliação de empreendimentos de transporte rodoviário da Cetesb.

Para Mayla Matsunaki Fukushima, assistente executiva da diretoria de avaliação de impacto ambiental da Cetesb, com a nova legislação, no futuro, boa parte das rodovias terá medidas de mitigação de atropelamentos. “Assim, rodovias antigas, que foram feitas nos anos 70, antes da legislação ambiental, no futuro, terão que se regularizar”.

É o caso da rodovia Washington Luís (SP-310), que não possui passagens de fauna no trecho entre Santa Adélia e Mirassol. Com o novo contrato de concessão, a via terá que se regularizar. “Outro problema que também analisamos é a questão de acidentes com produtos perigosos. Assim, uma rodovia próxima de rios e córregos, no caso de acidente, também pode impactar a vida aquática”, diz Mayla. (RC)

O perigo dos ruídos

“Além do atropelamento, o ruído sonoro emitido pelos veículos nas rodovias também interfere na reprodução das aves”, diz Helio Secco, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET) Brasil.

Isso porque, normalmente, as aves usam o canto no processo de reprodução. Com o alto ruído dos veículos nas estradas ao lado, o próprio canto das aves modifica-se. “As aves acabam por competir com o empreendimento rodoviário e começam a vocalizar mais alto, o que dificulta seu processo de acasalamento. Com o passar do tempo, percebe-se um declínio populacional de aves ao redor das rodovias”, afirmou Secco.

Foi o que comprovou o pesquisador do Laboratório de Ornitologia da Unesp de Bauru, Guilherme Cardoso. Entre 2016 e 2020, ele estudou o comportamento das corruíras (Troglodytes musculus), que viviam às margens da rodovia Marechal Rondon (SP-300).

“Durante o estudo, concluímos que as aves próximas da rodovia cantavam de forma mais aguda, ou seja, com um volume maior. Assim como a gente quando está num ambiente ruidoso tendemos a falar mais alto. As aves também apresentam esse efeito, em virtude das rodovias. Só que no caso delas, acaba por interferir na sua forma de reprodução”, apontou Cardoso. (RC)

Rone Carvalho – diarioweb.com.br