Maria Cardoso, de Promisão (SP), gravou depoimento à Patrícia Linares, que foi hostilizada por colegas de sala por ter mais de 40 anos. Idosa ficou famosa ao entregar currículo em busca de trabalho aos 101 anos. Caso, que ocorreu em Bauru (SP), reacendeu discussão sobre etarismo no país
A idosa de Promissão (SP) que viralizou nas redes sociais ao conseguir um emprego aos 101 anos gravou um depoimento à Patrícia Linares, universitária que foi hostilizada por colegas de sala por ter mais de 40 anos. No registro, Maria Cardoso, que hoje tem 103 anos e faz trabalhos como influencer digital, diz palavras de incentivo à estudante, que começou a cursar biomedicina em uma universidade particular de Bauru (SP) há aproximadamente três semanas, aos 44 (assista acima). “Não desiste, não, minha filha. Vai estudar. Deus foi bom. Assim como fez na minha vida, vai fazer na sua também. Aproveite seu tempo e seja feliz”, incentiva a idosa.
Na última sexta-feira (10), um vídeo em que outras três calouras de biomedicina debocham de Patrícia pela idade dela tomou conta da internet. Nas imagens, as alunas chegam a dizer que a mulher deveria “estar aposentada” “Enquanto temos um coração batendo dentro da gente, temos que fazer o que sentimos vontade. Seja qual for o desejo, temos que respeitar. Nunca é tarde pra correr atrás dos sonhos”, disse Maria ao g1. A idosa soube da hostilização de Patrícia por meio da bisneta, Pâmela Gomes, e disse que não concorda com o etarismo contido nas falas das universitárias. “Esse pensamento está errado. Eu, com 103 anos, sou digital influencer. Vai em busca do que você tem vontade. As mocinhas vão criar maturidade. Bola pra frente, nunca pare de lutar”, diz.
Ao g1, a aposentada explicou que o objetivo era conseguir uma renda extra para comprar as coisas que gosta – como vinho – sem depender dos familiares. Diante do desejo, a família teve a ideia de fazer um currículo como forma de brincadeira, mas o gesto tomou grandes proporções. “Meu trabalho é uma benção. Faço com amor todas as minhas fotinhas e meus vídeos”, relata.
No topo de uma larga linhagem de 29 netos, 35 bisnetos e 20 tataranetos, Maria chegou a ser condecorada, por causa da história dela, com o título de cidadã promissense na Câmara Municipal, em maio do ano passado. A idosa, que não completou os estudos, pois trabalhou na roça desde os nove anos de idade, faz parte de um grupo de profissionais que vêm crescendo no mercado de trabalho.
Dados da última Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio, realizada no final de 2022, apontam que o número de trabalhadores com mais de 70 anos subiu quase 23% entre os últimos dois anos – acima da média de todas as faixas etárias, que foi de 9%. A caminhada até a aposentadoria está mais longa por causa da alta do custo de vida, mas também porque os idosos estão chegando muito bem aos 70, 80 anos, com boa capacidade física e de adaptação às mudanças do mercado de trabalho.
Caso Patrícia Linares
O vídeo em que três universitárias do centro universitário Unisagrado, em Bauru, debocham de Patrícia pelo fato de ela ter mais de 40 anos viralizou em uma postagem no Twitter, que já soma mais de sete milhões de visualizações até esta quinta-feira (16).
Nas imagens, uma das universitárias ironiza: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Logo depois, outra responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira.
Em seguida, a estudante que grava o vídeo diz: “Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade. Eu tenho essa opinião”. Elas chegam a dizer que a mulher “não sabe o que é Google”. Ao g1, Patrícia contou que soube do vídeo no mesmo dia da divulgação, enquanto se preparava para apresentar um trabalho da faculdade, e disse que ficou muito abalada. Ela havia iniciado as aulas na instituição dez dias antes do episódio. “Nós tínhamos um trabalho de anatomia superdifícil para apresentar. Durante o intervalo da aula, fui para o banheiro. Tinha várias pessoas olhando para mim. Pensei: ‘Meu Deus. O que será que está acontecendo?'”, conta.
“Antes de eu voltar para a sala, duas pessoas, que não sei quem são, me chamaram. Perguntaram se eu era a Patrícia e falaram: ‘Sabia que tem um vídeo seu rolando na faculdade?’. Fiquei preocupada. Falei: ‘Ué, será que alguém me filmou?’. Falaram que não. ‘São três meninas que estão falando mal de você’.”
Estudantes desistiram da graduação
As três universitárias que aparecem no vídeo são Bárbara Calixto, Beatriz Lopes e Giovana Cassalatti, todas maiores de idade, segundo a universidade. Elas desistiram da graduação nesta quinta-feira.
Ao g1, Bárbara disse que as três estão arrependidas do que falaram e que o vídeo foi uma “brincadeira de mau gosto”. “Nunca foi na intenção de dizer que pessoas de mais idade não podem adquirir uma graduação, pois não tenho esse pensamento. Foi uma fala imprudente e infeliz que tomou uma proporção que não imaginávamos”, disse Bárbara, logo que o vídeo ganhou repercussão nas redes sociais.
Ela contou que as imagens foram postadas inicialmente no “close friends” do Instagram (recurso que permite que o usuário selecione seguidores específicos), mas acabou saindo da roda de amigos e viralizou, o que também foi confirmado por Giovana Cassalati.
A defesa de Giovana publicou nas redes sociais, na noite de quarta-feira (15), um comunicado afirmando que a estudante está sendo alvo de ameaças e linchamento virtual em virtude do envolvimento no caso. (Leia a nota na íntegra ao final.)
Em nota divulgada nesta quinta-feira, a defesa de Patrícia disse que “não concorda que tal fato seja tratado com violência”, uma vez que a atitude não condiz com a forma como a vítima “está tratando o assunto desde o primeiro instante”.
O caso gerou repercussão em todo o Brasil. Os ministros dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e da Educação, Camilo Santana, que repudiaram o etarismo contra Patrícia. Alunos com mais de 40 anos também defenderam Patrícia nas redes sociais. Segundo especialistas, as três alunas podem responder na Justiça pelo episódio.
O que diz a universidade
A universidade publicou uma nota na rede social horas depois que o vídeo viralizou, mas sem fazer menção direta ao caso.
No comunicado, afirma que não compactua com qualquer tipo de discriminação e que acredita que “todos devem ter acesso à educação de qualidade, desde pequenos até quando cada um quiser, porque educação é isso: autonomia”.
A publicação também diz que “as oportunidades não são iguais para todo mundo em todos os momentos da vida. Sabemos, por exemplo, que os pais, muitas vezes, abrem mão da sua formação para oferecer as melhores oportunidades para seus filhos e, somente depois, optam por se profissionalizarem”. Nos comentários da publicação, várias pessoas cobraram medidas por parte da instituição. “Não vai ter uma retratação das queridas? Uma ação disciplinar? Por acho que só um posicionamento não haverá mudanças!!!”, disse uma mulher.
“Queremos uma ação disciplinar para que fiquem TODOS cientes que esse tipo de atitude é totalmente descabível e não venha se repetir nunca mais”, comentou outra.
À época, a assessoria da universidade disse que está tomando medidas em relação às universitárias envolvidas no caso. “Mas por respeito a todos os envolvidos estamos trabalhando no âmbito institucional e não divulgaremos”, disse.
De acordo com uma das jovens que aparece no vídeo, a faculdade orientou as estudantes e “deu a oportunidade de recomeçar e amadurecer, mudar nossos pensamentos e perceber que comentários assim, sendo brincadeira ou não, são levados muito a sério”.
Nesta quinta-feira, o Unisagrado confirmou a abertura do processo disciplinar contra as estudantes e a posterior desistência das alunas antes da conclusão da ação.
G1