Polícia prendeu quatro homens, sendo dois em flagrante, durante operação em Auriflama (SP), na segunda-feira (24). Pelo menos dez jovens foram identificadas como vítimas. Investigações começaram após uma delas morrer.
A testemunha que pagou a dívida da gestante de 26 anos vítima da organização criminosa suspeita de explorar sexualmente mulheres e mantê-las em cárcere privado em boates no noroeste de São Paulo contou que resolveu ajudar após se comover com a situação.
A Polícia Civil identificou pelo menos dez jovens vítimas da quadrilha investigada pelos crimes cometidos em boates em Catanduva (SP), Auriflama (SP), Pereira Barreto (SP) e Aparecida do Taboado (MS). Todas as boates são do mesmo proprietário.
Durante a operação, na segunda-feira (24), a polícia prendeu quatro homens, sendo dois em flagrante por tráfico de drogas. Após um mandado de prisão, os policiais encontraram e prenderam o gerente e o dono dos locais em Auriflama. Um homem identificado como ex-gerente de Catanduva está foragido.
A quadrilha é investigada por organização criminosa, favorecimento da prostituição, cárcere privado, estupro e homicídio.
Ao g1, a testemunha, que não vai ser identificada pela reportagem, disse que enviou R$ 2 mil para que a jovem, que está grávida de seis meses, quitasse as dívidas. Segundo ela, a vítima se endividou por conta do consumo de drogas.
“A dívida dela só aumentava e ela queria muito ir embora. Eu me comovi. Quando eu mandei o dinheiro, eles não deixaram ela sair. Eu liguei na polícia, porque isso é cárcere privado. Ele não permitiu que ela saísse, mesmo diante do pagamento. Depois, eles discutiram e ele concordou”, comenta a testemunha.
A gestante foi liberada pelo dono da boate no dia 25 de janeiro deste ano, segundo a testemunha. Ela conta que, dias depois, conseguiu se encontrar com a vítima, que relatou os momentos de violência vividos dentro do estabelecimento.
“Ela agradeceu, chorou, só faltou ajoelhar para agradecer. Disse que eu fui um anjo, porque tudo o que ela desejava era sair daquele lugar e a dívida dela só aumentava. Ela chegou a comer comida estragada. Agora espero que a justiça possa ser feita. Quantas vítimas ele vai fazer?”, concluiu a mulher.
A delegada responsável pela investigação, Caroline Baltes, comentou que a vítima conseguiu escapar somente após a quitação da dívida, mas não teve coragem de prestar depoimentos formais à polícia, diante dos traumas.
“Essa vítima está com muito medo, passou por muitos traumas, o que acaba agravando o estado emocional. Ela apenas disse que não conseguia ficar sóbria no local, tinha que usar entorpecentes, porque tinha pensamentos suicidas. Ela era tratada como todas as outras meninas, também era agredida”, esclareceu a delegada.
Picada de aranha
A comerciante Bruna de Carvalho contou ao g1que a mesma gestante teve socorro negado pelo dono da boate após ser picada por uma aranha no braço, há um mês. A vítima, então, pediu para que o gerente a levasse para atendimento médico, ao notar inchaço na região do corpo.
A mulher conseguiu conversar com uma colega para pedir ajuda. Bruna, que estava junto a essa amiga, disse para a vítima esperar na porta da boate que ela a levaria para um hospital.
Ainda de acordo com Bruna, a vítima revelou que foi espancada pelo segurança e queria ajuda para conseguir quitar as dívidas e parar de trabalhar na boate. Quando soube da situação, a comerciante também acionou a delegada para investigação.
As investigações começaram após Regina Aparecida Marques Vieira, de 19 anos, ser encontrada morta, no dia 25 de fevereiro, na boate em Auriflama. Dias antes, a delegada informou que a jovem foi espancada no recinto. O corpo dela foi enterrado em Fernandópolis. Ela está entre as vítimas que foram aliciadas para trabalhar na boate.
Regina chegou a enviar um áudio para uma amiga dizendo que estava feliz após quitar parte da dívida que tinha com o dono do local. O g1teve acesso à mensagem de voz, na qual ela diz:
“‘Neguinha’, eu tô feliz da vida. De R$ 15 mil, eu tô devendo R$ 2.340 só agora. Rapidinho eu pago. Estou feliz da vida! Logo, logo eu ‘vô’ ‘tá’ junto”, finalizou Regina no áudio.
O caso, inicialmente tratado como suicídio, passou a ser investigado como homicídio ou indução ao suicídio. Conforme a polícia, as mulheres eram atraídas pelos criminosos com falsas promessas de trabalho.
Durante as apurações, a polícia identificou que as vítimas em situação de vulnerabilidade eram induzidas a trabalhar nas boates e, depois, privadas de sair de dentro dos imóveis, além de ficarem sem alimento, água e acesso a comunicação. G1