Alergia à Proteína do Leite de Vaca: especialista fala sobre a doença, sintomas e como tratar

Família de Mairinque (SP) conta sobre drama de criança de 3 anos que já teve três crises agudas. Todo o procedimento, incluindo consultas, aplicações, medicações e exames, está estimado em R$ 60 mil, valor que a família não tem e busca com solidariedade

A alergia alimentar é uma realidade que afeta muitas pessoas. Para quem sofre com ela, cada bocado pode representar um risco à saúde. A doença, se não tratada, pode gerar uma série de sintomas que variam de leves a potencialmente fatais.

Quem sabe bem a rotina de cuidados com essa doença é Monique Valentim, mãe de João Vitor Leonardo, de três anos. O menino, que vive com a família em Mairinque (SP), é alérgico a vários produtos, entre eles, um dos mais recorrentes com crianças: o leite de vaca.

A Alergia a Proteína do Leite de Vaca (APVL), assim como outras alimentares, é desenvolvida pelo próprio sistema imunológico, que passa a reconhecer o leite (ou outro alimento) como algo ruim (alérgeno) e desencadeia a reação alérgica quando tem o contato, como explica a alergista e imunologista Ana Carolina Swensson.

Em casos mais graves, quando a criança alérgica tem um contato com a proteína do leite, mínimo que seja, desencadeia a reação. Com isso, explica a especialista, o tratamento de dessensibilização ajuda os pacientes que tem um limiar muito baixo, persistência ou reações muito graves.

“Fazemos a dessensibilização desse sistema imunológico através da imunoterapia oral. É um tratamento que dura semanas”. Conforme Ana Carolina, o tratamento baseia-se em uma exposição gradual à proteína do leite até que a organismo se acostume. Além disso, durante o tratamento, pode ter reação, por isso a importância do acompanhamento do especialista, ressalta.

“O importante é saber quem é o paciente, saber identificar os sintomas quando está tendo uma reação, saber identificar se esses sintomas são graves e utilizar a medicação na hora certa”, diz a médica.

Além da APVL, a imunologista comenta que a alergia alimentar é um espectro grande de doenças, não existindo apenas um tipo. Ela pode ser dividida em duas versões, IgE mediada e IgE não mediada.

A IgE não mediada significa que os sintomas aparecem mais tardiamente e o IgE mediada é quando a reação é imediata após o consumo ou o contato com o alimento.

“A alergia IgE mediada, que é a que a gente considera mais grave, pois pode chegar até a uma anafilaxia, um choque anafilático, que é uma consequência muito grave de uma reação alérgica, esse tipo de alergia acaba sendo mais visível, chamando mais atenção por essa gravidade.”

É o caso do João

Ana Carolina explica que no caso do João, a resposta é imediata quando tem o contato com os alimentos que desencadeiam a alergia, pois ele tem um limiar de resposta muito baixa, sendo que qualquer contato mínimo ele já tem uma reação muito forte, com históricos de anafilaxias.

Com a agressividade da alergia, João Vitor precisa de cuidados especiais. Além da AVPL, ele tem alergia à coco, amendoim e a pelo de cachorro.

Para que o garoto possa realizar o grande sonho de ter um animal de estimação, e ter uma alimentação menos restritiva, a família precisa que ele faça o tratamento de dessensibilização de alergias. Todo o procedimento, incluindo consultas, aplicações, medicações e exames, estão estimados em R$ 60 mil, valor que a família não tem, mas que busca arrecadar com uma campanha na internet.

“É um tratamento que tem avançado bastante, mas por enquanto ele é pouco acessível pelo custo e tem poucos protocolos, sendo estabelecido para leite, ovo, trigo e está se encaminhando para o amendoim”, comenta a especialista.

A mãe conta que teve dificuldade em encontrar uma escola que aceitasse o filho, já que ele tem que andar com uma bolsa de emergência, e muitas escolas não podem mais aplicar medicações. “Agora o João está frequentando a escola e aí chega à parte mais difícil, porque é o momento em que ele começa a perceber que é diferente, que a lancheira dele tem que ser diferente, começa a perceber que o amiguinho pode comer uma coisa, ele não pode”, fala a mãe. “Ele não pode ter uma vida simples de uma criança em fins de semana. Não podemos ir à praça tomar um sorvete. Únicos lugares que podemos ir é na casa da minha mãe e na casa da minha sogra porque tem tudo separado”, completa.

Caneta de adrenalina

A caneta de adrenalina não é aprovada pela Anvisa, já que para isso, os fabricantes devem fazer o pedido e o produto é desenvolvido por empresas estrangeiras — Foto: Arquivo Pessoal

A especialista ainda explica que os cuidados com os pacientes são para evitar que tenham contato com os alimentos que desencadeiam a alergia, já que nem todos que estão ao redor ou até mesmo o paciente não esteja preparado para lidar com a reação.

Ana Carolina ressalta que é essencial que toda criança ou adulto que já tenha tido uma reação grave por qualquer alimento porte a caneta de adrenalina, pois é o único medicamento que salva a vida do paciente se estiver tendo uma reação aguda. “Existe a adrenalina auto injetável que o próprio paciente pode utilizar”, diz a especialista.

O dispositivo não é aprovado pela Anvisa, já que para isso, os fabricantes devem fazer o pedido e o produto é desenvolvido por empresas estrangeiras. Porém, ele não é proibido e pode ser importado legalmente.

Ana Carolina ainda explica que a alergia alimentar cresceu muito, ficando mais em evidência, já que através de ferramentas é possível realizar mais diagnósticos. “A gente tem identificado mais, muitas vezes, devido aos diferentes alimentos, cultura.”

Luta desde os 4 meses

Ao g1, Monique Valentim conta que tudo começou quando João Vitor ainda tinha quatro meses. Após a licença-maternidade, a mãe teve que voltar a trabalhar no começo da pandemia. Com o medo de voltar a trabalhar e deixar o bebê em casa, o leite começou a secar e foi quando a pediatra orientou a entrar com fórmula no período noturno. Foi então que aconteceu a primeira anafilaxia. “A hora que nós entramos no quarto, pegamos ele no berço. O João estava desacordado, com o olho todo inchado, com a linguinha roxa, mão e pé roxinho, gelado. Ele não chorou, ele ainda respirava, mas ele estava totalmente mole, entregue.”

Na emergência, o bebê precisou de oxigênio, teve que tomar adrenalina e medicamentos. Depois de todo o susto, saiu o diagnóstico de APLV para João.

“Nós tivemos uma sensação de impotência, de não ter o que fazer para o nosso filho. Nós ajudamos tanto os filhos dos outros e no momento não tem nada que dê para nós fazermos, foi um baque muito grande”, conta a mãe, que trabalha na área da saúde.

Monique diz que saiu do hospital com uma dieta restritiva e pouca orientação profissional. Com muita dedicação, ela e o marido aprenderam a eliminar a proteína do leite e criaram uma rede de apoio médico para auxiliar na caminhada.

Outras crises

APLV afeta principalmente crianças, causando reações adversas ao consumir produtos que contenham a proteína do leite de vaca — Foto: Arquivo Pessal

Mesmo com uma dieta restrita, aos oito meses, outra duas anafilaxias aconteceram, com coco e amendoim.

Com pouco mais de um ano, os pais descobriram que João também tem alergia a pelo de cachorro. Mesmo amando animal, o contato com o bicho faz com que imediatamente desencadeie o risco de anafilaxia. “É tudo muito difícil, tentar explicar para uma criança de três anos que ele não pode fazer um carinho no animal que vai fazer mal para ele”, finaliza.

Com muita busca de informação, a família decidiu pela dessensibilização de alergias, em busca não apenas para poder tomar um copo de leite, mas para ter uma vida normal. Uma vida onde ele possa desfrutar da escola, passeios e, quem sabe, realizar o sonho de ter um cachorro.

* Colaborou sob supervisão de Eduardo Ribeiro Jr.G1

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